quinta-feira, 15 de julho de 2010

Angels in America


Baseado no livro com o mesmo nome “Angels in America” é a adaptação para televisão feita por Mike Nichols da obra de Tony Kushner.
A série passa-se em 1985 numa América republicana liderada por Ronald Reagan, onde o vírus da SIDA se propaga rapidamente.
A história inicia-se num funeral atendido por Louis Ironson e Prior Walter dois homens num relacionamento amoroso. É neste funeral que Prior revela a Louis estar infectado pelo vírus da SIDA.
Estes dois personagens são duas das visões centrais da narrativa, uma visão simplista pode revelar Louis como um vilão sem coração que abandona Prior quando não consegue lidar com doença do mesmo. Mas essa não é a intenção de Tony Kushner, Louis é um exilado em si mesmo, um idealista cujas acções contrariam a sua visão de um mundo que pode ser salvo. Embora as acções do personagem sejam condenáveis o público consegue simpatizar com culpa genuína de Louis e com sua incapacidade em cuidar do moribundo Prior.
Louis é um homem de grandes ideias e as ideias de Louis são ideias de Kushner, Louis é o artificio narrativo utilizado por Kushner para analisar o mundo, as visões politicas da série são visões de Louis.
Se não contarmos com o crescimento de Prior a viagem de Louis desde da incerteza e auto-comiseração devido ao abandono de Prior até à responsabilização pelas suas acções é um dos maiores desenvolvimentos narrativos da série.
Prior Walter por seu lado é aquilo que a série tem de mais próximo com um herói. Um herói no sentido clássico, Prior é aquele que tem de enfrentar as maiores adversidades. Só, a morrer com uma doença horrível e excluído pela sociedade pela sua condição como homossexual. Mas como os heróis das epopeias gregas Prior cresce ao longo da série tomando controlo do seu corpo enfermo e enfrentando todas as adversidades.
Prior é um profeta que teme os anjos, mas que consegue vence-los no céu através de uma retórica teológica. Escolhido como avatar de conservadorismo e da estagnação, Prior renuncia ao título e emerge como representação física da mudança. Ao entrar em conflito com seu destino profético Prior torna-se um profeta alternativo sendo a sua voz a principal voz da série.
Para além de Prior e Louis a conplicada teia de personagens adensa-se com Roy Cohn um advogado da era macartista, o casal Pitt e também a mãe de Joe Pitt e o enfermeiro Belize.
Roy Cohn é a representação do mal puro, um advogado homossexual que se preocupa apenas com poder. Uma figura real adaptada por Kushner para a sua peça, conhecido pela sua influência na condenação do casal Rosenberg. Ethel Rosenberg aparece na série como uma espécie de figura fantasmática que constantemente relembra Roy dos seus actos malignos. Roy Cohn é aqui representado como um indivíduo em oposição à comunidade, o seu ódio pelos outros e a sua necessidade em se afastar da comunidade vendo-se como um entidade toda-poderosa mesmo a braços com a sua mortalidade, mostram-no aqui como um monstro biblico.
Joe Pitt é um advogado mórmon republicano, no início a sua ingenuidade serve de oposto à maldade do seu tutor Roy Cohn. Ao longo da série Joe Pitt quebra sua carapaça de perfeição aparente em busca de um amor gay. Desde sempre sofreu com os seus sentimentos mais íntimos quase no final da série separa-se da sua mulher em busca da sua identidade. Harper Pitt é a esposa de Joe uma mulher com problema emocionais que tenta fugir à realidade sempre que pode voltando apenas desse mundo ilusório para junto do seu marido. Harper descobre ao longo da série que o seu marido é gay e descobre também que a relação com Joe é a razão para a sua alergia à realidade, consegue no final da série separa-se do seu marido avançando assim para uma nova vida.
Hannah Pitt é a mãe de Joe que mora no Utah e é arrastada para a cidade com a revelação que o seu filho é gay. Na cidade ajuda Harper durante a sua separação de Joe. Depois de um encontro sexual com um anjo Hannah redescobre-se como mulher independente.
Por fim Belize um enfermeiro ex drag queen, é o compasso moral de todos os personagens da série. É com ele que a maioria das personagens se questiona sendo Belize é alavanca da mudança interior de muitos dos personagens.
Para além da representação da sexualidade homossexual e do crescimento da SIDA nos anos oitenta a série “Angels in America” é uma análise profunda à américa de Reagan.
A série é o retrato das relações e do indivíduo enquanto membro da comunidade, na primeira parte da história a maior parte das relações são quebradas nesta fase muitos dos personagens afundam-se na solidão e no isolamento. Na segunda fase da história a relações são reafirmadas de formas inéditas e pouco prováveis.
A série de Mike Nicholson é uma obra de arte televisiva, com “Angels in America” o autor utiliza a meta linguagem televisiva como nunca antes esta tinha sido utilizada. Mike Nicholson absorve a linguagem teatral da peça original e com os seus conhecimentos cinematográficos mescla estes dois elementos num terceiro elemento que é a televisão.
A principal beleza da série está contudo está nas palavras escritas por Tony Kushner, a série vive dos textos amargos e perfurantes proferidos pelas persongens, como por exemplo o monólogo da personagem de de Al Pacino, Roy Cohn quando este explica ao médico o porque de ele não puder ter SIDA e também o porque de não ser homossexual mas sim um heterossexual que faz sexo com homens.
É preciso referir que numa série com nomes fortes como Meryl Streep ou Al Pacino, este último num dos melhores papeis da sua carreira. O actor Justin Kirk consegue quase roubar toda a atenção da série na sua representação do personagem Prior Walter.
A série termina com um monólogo que é um manfisto de Tony Kushner a todas as vítimas de SIDA.
Esta série é um dos pontos altos da televisão norte-americano e a prova que vivemos num era em que a produção televisiva em nichos como a HBO ou o Showtime consegue ultrapassar em termos de qualidade a maior parte dos filmes que saídos de Hollywood hoje em dia.

Sem comentários: