terça-feira, 17 de maio de 2011

Entrevista com O Cão da Morte


O Cão da Morte é o projecto do cantautor Luís Gravito músico de Odivelas que lançou em 2010 numa edição de autor o álbum “Trovas Intravenosas”, onde Luís Gravito se transformou na banda O Cão da Morte, multiplicando-se entre vários instrumentos. Nesse álbum o autor criou uma atmosfera simplista onde as instrumentações acompanham a voz profunda em que cada palavra é jogada com a mestria de um autor para quem a palavra faz parte da melodia. Ontem o autor de “Trovas Intravenosas” lançou no bandcamp o seu mais recente álbum, a propósito deste lançamento Luís Gravito aceitou responder a umas questões no mynameisindie.




Como aconteceu a transformação de Luís Gravito em O Cão da Morte?

A transformação aconteceu por timidez. Quando comecei a fazer música tinha quinze anos e pouco que fazer. Dedicava-me a gravar canções no meu quarto, com condições ainda mais precárias que as que tenho hoje. Um dia tive vontade de criar um myspace e mostrar essas canções sem que ninguém soubesse quem era. O nome em si surgiu de uma forma espontânea: uns dias antes tinha encontrado no meu quarto o livro Cão da Morte da Agatha Cristie, que li em criança. Juntei isso ao facto de ser fã de Mão Morta e à vontade de ter um projecto que explorasse letras mais negras. Ficou o nome mas desapareceu o anonimato quando comecei a ter convites para dar concertos e a ter fotografias minhas por aí.

Que tal é Odivelas como berço das tuas canções? Qual a influência deste meio na música d’O Cão da Morte?

Eu nasci em Odivelas e desde esse dia que vivo no mesmo bairro (o casal do Chapim). Foi também em Odivelas que fiz amigos e estudei até há cerca de um ano (quando entrei para a faculdade, em Lisboa). Durante algum tempo tive uma relação de amor e ódio com este sítio, até que cresci um pouco e percebi que era bem mais amor que ódio. Percebi ainda que aqui tinha vivido coisas que dificilmente encontraria em Lisboa ou noutro lugar. Despertou em mim um sentimento de pertença e uma vontade de cantar sobre este sítio, de uma forma pessoal, íntima e despretensiosa. Desde o meu primeiro EP de 2009 que faço referências aos subúrbios e a histórias minhas ou histórias de que ouvi falar. Não sou um cronista muito verosímil porque modifico as histórias da forma que bem me apetece. Acredito que um dia possa deixar de escrever sobre espaço, tal como acredito que um dia possa deixar de fazer música, mas, para já, continuam-me a surgir imagens e ideias Odivelenses quando estou a escrever uma letra.

Quais foram as ideias e influências com as quais partiste quando começaste a escrever as canções? Como foi a produção deste novo álbum?

Parti para este trabalho com a vontade de ter um disco de banda. Além da música que ouço, que é bastante variada, penso que as minhas principais influências foram os amigos que têm bandas e que me vão fazendo "inveja" por terem um resultado final que só pode vir da partilha. Claro que no meu EP e LP Trovas Intravenosas já tinha partilhado canções (por exemplo, a Lixo foi escrita a meias com o Suricata), mas senti vontade de intensificar esse processo e criar em conjunto. Então, escrevi as canções e em Setembro do ano passado juntei o Coelho Radioactivo, o Rafael Silver, o João Nada e o Nuno Pontes na casa de uns tios meus algures meus no Ribatejo. Gravámos lá a base de todas as músicas e ainda nos divertimos imenso, numa semana que lembramos com saudade.
Depois disso, voltei para Odivelas com essas bases no computador e fui chamando músicos para acrescentarem instrumentos (Silas Ferreira, Éme Pega Monstro, etc...) Fui ainda ao porto gravar os sopros, a Gaia gravar as participações do Suricata e a Aveiro gravar o contrabaixo e outros instrumentos do Coelho. Já em 2011, fiz as misturas com o Rafael Silver e entreguei a masterização ao Paulo MIranda.

Quais as principais diferenças entre “Trovas Intravenosas” e este novo trabalho?

Vou saltar o facto deste disco ser o primeiro com banda, porque já falei disso na questão anterior, e falarei então de outras diferenças. Em primeiro lugar, este disco foi pensado antes de ser gravado, ou seja, quando fui para a Chamusca já tinha a setlist final e já tinha uma visão bem definida para cada arranjo e para cada música. Claro que a influência dos músicos trouxe coisas novas e muitas coisas acabaram por me surpreender, mas, a base já estava pensada. Nas Trovas Intravenosas e também no meu primeiro EP nada foi pensado, fui gravando músicas em casa e quando me apeteceu agrupei-as em disco.
Talvez este disco tenha ainda uma sonoridade mais Rock que os outros. Quanto ao conteúdo e ao "tipo" de canções não consigo comparar muito bem porque nem as das Trovas Intravenosas ou as deste disco foram pensadas para "ser alguma coisa" - simplesmente apareceram.

Como funcionou a colaboração neste novo álbum com o Coelho Radioactivo?

O Coelho e o João Coração são talvez os amigos com quem colaboro há mais tempo. Foi o Coelho a primeira pessoa a quem mostrei as canções deste disco, numa madrugada de Agosto, num jardim de Odivelas. Ele sacou logo arranjos, segundas guitarras e vozes, e começámos a solidificar as coisas. Já na Chamusca, surpreendi-o e pedi-lhe para gravar a Porteiro, uma canção dele que considero ter uma linguagem muito adaptável ao meu imaginário. O Coelho é um guitarrista virtuoso que, apesar de saber muito, sabe dar apenas a nota que interessa, ou seja, não se perder na sua técnica. É um músico criativo, com muito bom gosto e um amigo para a velhice. Em Julho vou gravar um EP com ele, que há-de sair em Setembro.
Colaborar torna-se indispensável quando tens amigos que admiras imenso. Por exemplo, quem já viu um concerto d'Os Passos em Volta ou dos Kimo Ameba percebe perfeitamente quando digo que seria parvo se não tivesse vontade de os ter no meu palco. Mesmo neste disco, uma das suas coisas que mais me agrada é pensar que em 13 canções consegui juntar amigos como o Suricata, o João Nada, o Éme, as Pega Monstro, o João e o Jaime (criadores de hip-hop em Odivelas), o Silas dos Pontos Negros, entre tantos outros. Acho que vale a pena ouvir o disco nem que seja por isso.
O ano de 2011 foi e continuará a ser um ano de muitas colaborações. Fui corista do João Nada, do Coelho Radioactivo, do C de Crochê e do Filipe da Graça. Fui roadie, técnico de som e motorista da carrinha da Cafetra Records em alguns dos seus concertos. Produzi o primeiro EP do Éme e, se ele não mudar de ideias, produzirei o seu próximo disco. Vou colaborar nas gravações do João Nada, do Coelho, do Suricata e vou ainda produzir uma banda de punk que vem mudar muita coisa, chamada Putas Bêbadas. Juntamente com pessoal da Cafetra Records, estou ainda metido numa nova banda que está agora a ter os seus primeiros ensaios: os Egícios.

Agora que as músicas estão disponíveis para audição, quando teremos uma versão mais definitiva já com nome deste projecto?

Espero que o nome e a edição estejam para breve. Para já, chega-me o gozo de saber que este disco está finalmente a ser ouvido por mais pessoas, depois de quase um ano a ganhar pó no meu quarto. Ao contrário do que aconteceu nas Trovas Intravenosas, não tive possibilidades para fazer logo uma edição de autor e começar a vender discos. Além disso, a capa ainda está a ser pintada e ainda nem consegui decidir um nome. Se tudo correr bem, hei-de ter quem me ajude a suportar essa edição lá para Setembro (o Verão não é uma boa altura para editar). Se essa edição por grande azar não acontecer, promete-vos que terão o disco para download legal.

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