segunda-feira, 7 de maio de 2012

Especial IndieLisboa 2012 - Stilleben




A tensão de um inumano fantamástico materializa-se no corpo sedento de uma efectivação de um prazer carnal. Este enfrenta a negação desse impulso que o obriga a uma deslocação desta pulsão. É este o diagrama de pulsões e tensões que Sebastian Meise projecta na tela do seu filme Stilleben.

Quero ver-te a tomar um duche.
Não te secas. Sentas-te no meu colo.
Eu quero acariciar o teu corpo e enquanto o faço
quero chamar-te Lydia

Estas são as palavras fantasmas que se ouvem vindas do espaço ausente e se concretizam numa carta que é escrita à mão. Esta carta será o dipositivo fílmico responsável por causar a fragmentação dos corpos actuantes na família austríaca descrita pelo filme. A carta escrita pelo pai implica um jogo entre a ficção e uma realidade outra. Outro objecto importante na significação fílmica da obra, é a oficina do pai. Um espaço afastado da realidade, um mundo que permite ao pai uma expressão das tensões inumanas que o percorrem. Um espaço que representa um retorno a um local antes do tempo, um espaço intra-uterino.  No jogo entre a tensão e a efectivação das pulsões do personagem principal, a oficina joga um jogo importante na hierarquização da psicologia do pai. A oficina é o lugar onde estas tensões podem ser expressadas enquanto realidades das suas necessidades, nunca chegando contudo a fazer parte do grande mundo. O realizador joga aqui com aquilo que existe neste lugar interior mas que não se efectiva na sua existência com o outro. Será que o inumano é inumano se este inumano existir apenas no espaço interno do homem?
Em termos formais o realizador cria planos que se perlongam até ao incomodo, estes planos perlongam também as tensões psicológicas que se formam nos seus actores. Como se observou no início da diegese Meise usa formas sem ancoragem, aparentemente extradiegéticas mas que no decorrer da narrativa aparecem ligadas a objectos que as tornam diegéticas. Este é mais um dos jogos entre a efectivação e o idílico proposto pelo filme.
Este equilíbrio entre aquilo que é interno e externo é explicitado quando as fantasias do pai são deslocadas para uma prostituta. Esta é a receptora da carta com as instruções. A prostituta é o corpo físico que permite ao pai a realização do seu desejo de possuir a sua filha enquanto objecto carnal. O desejo é demonstrado formalmente pela luz vermelha que ocupa o espaço do desejo carnal, existe um jogo entre a luz vermelha que ilumina a prostituta e a toalha vermelha que seca o corpo da filha na cena seguinte. O conflito fílmico é despoletado pela descoberta feita pelo filho do espaço interno do pai, é essa a descoberta que irá gerar a fragmentação do seio familiar.
A segunda parte do filme lida com as consequências da revelação feita pelo filho, cada um dos personagens lida à sua maneira com essa revelação. O filho tem de lidar com a sua condição enquanto partícula geradora do caos. A mãe por seu lado revela com a sua atitude a verdade dos seus sentimentos. Os resultados desta descoberta são mais importantes na relação entre o pai e a filha. A filha descobre o porquê da impossibilidade de uma relação entre si e o seu pai. A impossibilidade que se deve à desvirtuação do afecto por parte do seu elo paternal.
Os momentos principais do filme fazem-se na desconstrução da figura paterna. Existe um movimento que se faz do interior para o exterior por parte da figura paterna, como na cena em que o pai surge do interior da floresta a caminho da cidade. A parte inumana do personagem terá de enfrentar finalmente as construções humanas civilizacionais. O lugar que anteriormente lhe havia oferecido protecção é violado pela presença dos seus dois filhos, a violação máxima deste espaço acontece quanto os fragmentos imagéticos das pulsões eróticas do seu pai são desembalados e postos em contacto com oxigénio que os corrompe. Na conclusão do filme o realizador joga a cartada final quando o pai é preso por ter entrado armado num banco. Esta é a última tentativa do pai reencontrar o espaço hermético que havia anteriormente controlado as suas tensões. Este é um grande filme em que Sebastien Meise trabalha com mestria as profundezas do ser humano e  aquilo que define o homem e a sua inumanidade, o eterno jogo entre o claro e o escuro.
     

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