Glük
auf - “es mögen sich Erzgänge auftun”
Museum Hours de Jem Cohen é uma digressão
fílmica pela cidade de Viena. Johann, um guarda do Kunsthestorisches Art Museum,
repete todos os dias os mesmos gestos, os mesmos jogos, como forma de aliviar o
peso do tempo. Anne é uma canadiana de meia-idade que chega a Viena devido ao
coma da sua prima. O encontro destes dois personagens será o impulso narrativo
de Museum Hours.
Inicialmente
os espaços da cidade de Viena restringem-se ao espaço do hospital e ao museu,
ambos os espaços enunciam uma imobilidade que contamina a cidade. As naturezas
mortas expressas no museu assemelham-se aos objectos estáticos espalhados pelo
quarto do hospital. O corpo imobilizado pelo coma confirma o estatuto da cidade
Viena como uma cidade estática. A expressão fílmica dessa imobilidade é
descrita pela imagem de Johann engolido pela constância da porta de madeira do
museu.
Esse
estatuto da cidade é alterado pela chegada de Anne, o seu olhar estrangeiro
activa em Johann uma nova experiência da cidade. Esta efectua-se na recuperação
de uma cidade que se havia perdido devido a processo de naturalização,
provocado por uma repetição existencial de Viena. Esta nova experiencia da
cidade, enuncia um alargamento do espaço de Viena que se efectiva na fragmentação
dos limites do espaço do museu. Os fragmentos da cidade Viena, emoldurados pelo
olhar fílmico, transformam-se em registos pictóricos expostos no museu. O
questionamento enunciado por Anne desconstrói as estruturas simbólicas da
cidade. Esse questionamento leva a personagem a por em causa o seu estatuto na
cidade – “I Am a Turist?”. Johann define-se assim como o guia de uma cidade que
existe para além do circuito turístico. A invisibilidade de Johann permite-lhe
assumir o estatuto de flâneur, aquele que escreve o espaço simbólico da cidade
para Anne.
A escrita da
cidade enunciada por Johann é confirmada pela expressão pictórica de Bruegel. A
palestra na sala de Bruegel enuncia paralelamente à reescrita de Viena uma
desconstrução simbólica dos quadros do artista da Flandres. O estatuto
simbólico dos quadros de Bruegel é negado em virtude de nova leitura dos
mesmos. É posta em evidência a natureza realista dos quadros. A crueza da
experiência da cidade é nos quadros de Bruegel a confirmação da falácia
histórica a eles associada. Bruegel é o reflexo de Johann que enuncia o seu
nome em frente a um espelho.
Johann é
também o possibilitador da comunicação, é ele que permite o entendimento entre
o pessoal do hospital e Anne. O corpo imóvel da prima de Anne enuncia o passado
cristalizado da personagem. As primeiras visões desse corpo comatoso enunciam
uma negação desse corpo pelo olhar fílmico. Johann é o tradutor desse corpo –
desse passado encoberto. Antes da descida ao submundo é-nos descrita a face
desse corpo cristalizado.
O
adentramento efectuado nesse descida enuncia a transformação final do espaço
cénico urbano. Essa regeneração é baptizada pela morte, a morte do corpo
liberta-o da sua imobilidade. O regresso do casal emergido das profundezas,
enuncia a nova vida da cidade. Viena passa existir na sua grandeza estética
como espaço de criação artística.
"About suffering they
were never wrong,
The Old Masters: how well they understood
Its human position; how it takes place
While someone else is eating or opening a window or just
walking dully along";
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