segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010
Pós-Fotografia
Quando se pensa em arte fotográfica sabe-se que o filme é peça fundamental na captura do objecto presenciado pela lente, essa realidade tem vindo a alterar-se, nos últimos vinte anos os avanços tecnológicos deram origem a uma era digital. O filme como objecto que conserva o momento fotográfico tem vindo a ser substituído pelo imaterial formato digital.
A foto analógica e o seu referente encerram uma imutabilidade da verdade do objecto visionado pela lente. A película como objecto corpóreo garante a existência do objecto fotografado nem que tenha sido apenas uma existência momentânea, que se reduz ao momento da sua captura. Por oposição à verdade absoluta garantida pelo filme a fotografia digital manifesta-se sem um objecto físico de captura da imagem fotografada, transporta o objecto fotografado para uma “meta realidade” ausente de significado real.
Fazendo um paralelismo com uma peça de barro pronta ser esculpida, o resultado de uma exposição digital é um objecto incompleto e o seu processamento obriga a que a “realidade” seja excluída do objecto final.
O antagonismo entre o analógico e digital obriga a uma reavaliação a estes dois conceitos a que chamamos fotografia. Tendo o filme uma linguagem diametralmente oposta ao processo digital, será portanto falacioso incluir estas duas formas de fotografar num mesmo conceito. Embora derivem do mesmo pressuposto, o da visão do concreto através da lenta e captura do mesmo. A captura não se processa de igual modo, na fotografia analógica a luz reflectida no acto fotográfico molda o filme objecto físico dentro da câmara. Esta transformação naturalista é antagónica ao processo artificial da fotografia digital onde a luz recebida pela máquina é reinterpretada por um aparelho electrónico “o sensor” que traduz a linguagem da realidade numa linguagem abstracta e virtual. Assim no processo digital tal como na pintura clássica onde numa tela branca o pintor traduz informação para a tela, o resultado não é a realidade mas sim uma representação da mesma que pode ser alterada até ao extremo do plasticismo. A informação na câmara digital a transferida para uma tela branca o “o computador” onde o executante pode utilizar a informação traduzida pela máquina em algo mais perto da realidade ou algo conceptual longe da mesma. Mas no final nunca é a realidade mas sim uma representação da mesma. Ao contrário da pintura onde a tela branca confere à obra a sua existência no real nunca no processamento da fotografia digital esta faz parte da realidade. O objecto digital só se torna real quando a informação digital é retraduzida e extraída deste suporte virtual para um objecto real. No caso da fotografia analógica o facto de a informação da realidade ser transferida para o filme um objecto de facto, confere-lhe sempre a sua presença no real.
A fotografia com filme transmite ao espectador uma visão dum momento de realidade, o referente é o referente e nada mais, ao contrário da pintura na fotografia com filme um cachimbo é mesmo um cachimbo.
Na era em que vivemos onde a fotografia analógica se encontra ao dispor de apenas um pequenos grupo de executantes e a mesma é cada vez menos visualizada pelo espectador pode-se dizer que vivemos numa sociedade pós-fotográfica. Nesta sociedade é impossível percepcionar a diferença entre uma foto “real” e uma manipulada, pois não existe diferença entre elas.
Mas esta sociedade pós-fotográfica não se reduz à evolução tecnológica que permitiu a fotografia digital. A própria fotografia pode ser manipulada na câmara escura, mas não é esse tipo de manipulação que me interessa pois esse tipo de manipulação não é a regra mas sim o oposto. A fotografia analógica é a realidade do que aconteceu. Mas essa realidade pode ser manipulada fora da câmara escura. Certas autoridades da sociedade contemporânea utilizam a realidade da fotografia para seu proveito manipulando a verdade intrínseca da foto.
Nesta sociedade pós-fotográfica onde a manipulação é a regra, a fotografia digital impõe-se como uma nova linguagem para um velho género.
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